Desafios Literários, Resenhas

O Projeto “Viagens pelo Brasil” apresenta: Hugo Pernet

Hoje daremos início ao projeto e vamos diretamente para o Rio de Janeiro conhecer o primeiro escritor, Hugo Pernet, autor do livro “Memórias da infância em que eu morri”.  Logo após a resenha do livro confiram a pequena entrevista com o autor.

“Desde aquele dia você me transformou num poema sem rima,sem ritmo, sem harmonia, sem estrofe, sem pontuação, abandonado, sem título que anuncie esse grande vazio arquivado na sua gaveta”    – Memórias da Infância em que eu morri                                                                                                  

Hugo é um garotinho mimado e super inteligente que acaba de se mudar com seus pais e seu irmão para uma bela casa com quintal e piscina. Nessa casa ele tem tudo que sempre sonhou, um quarto só para ele, uma escrivaninha e uma prateleira grande para colocar todos seus livros de Fernando Pessoa.

Sua grande paixão é a leitura, Hugo divide seu tempo entre ler poesias e brincar com seu irmão mais velho. Na escola, apesar de ser muito levado e suas notas no boletim serem sofríveis, no final ele conseguia se sair bem. Seus pais  faziam de tudo para o ver feliz, eles eram pessoas de muita fé e sempre recebiam grupos de oração em sua casa, além de terem várias imagens de santos espalhadas pela casa. Hugo apesar de participar dos grupos de oração com seus pais, vivia se questionando do porquê de tanta oração, ele odiava ter de perder seu tempo de brincar, rezando.

Tudo ocorria bem, até um certo dia em que Hugo e seu irmão estavam brincando na piscina e o garotinho escorregou na borda, as suas costelas se arranharam e seus pais logo cuidaram disso. No dia seguinte fizeram um churrasco e convidaram todos os amigos do grupo de oração, incluindo a professora de Hugo. Ela trouxe um livro de poesias para ele e logo o menino começou a ler e interpretar, foi no final de sua interpretação que a professora notou um carocinho no meio de suas costelas.

“A Queda

À noite

O céu estava azul

O vento branco

A piscina azul

O entorno verde

A casa amarela

As luzes do sol brilhavam sobre a minha cabeça e a do meu irmão, ambas amarelas.

De repente,

Um sopro de vento

Mudou de direção

E deu à piscina

Um ponto verde,

E, a mim, o sopro do vento,

Deu um ponto

Vermelho.”

Seus pais ficaram preocupados e no outro dia levaram Hugo para fazer os exames que confirmaram o que todo mundo teme, um câncer. Seu pai imediatamente começou a levar Hugo para os tratamentos, e o menino sem entender nada simplesmente ficava a mercê das indas e vindas de hospitais. Sua mãe permanecia trancada em seu quarto desde o diagnóstico e Hugo se via confuso e sozinho, foi quando ele decidiu então começar a escrever um diário.

No diário Hugo conta todo o processo de seu tratamento no seu ponto de vista, sem saber que estava sendo tratado, ele contava sonhos que tinha com coisas desconexas mas que faziam muito sentido para quem sabia de sua doença, como o sonho que teve com sua família tentando sair de casa quando uma pedra gigante tampava as entradas.

A medida que o tratamento ia sendo feito, Hugo se sentia cada vez mais fraco e estranho, ele se sentia triste pois havia parado de ir a escola, proibido de jogar futebol com os amigos e ninguém lhe dava explicações. Foi quando Hugo decidiu pedir ao pai um gravador emprestado e começou a gravar fitas para sua mãe. Nas fitas ele conta tudo o que está passando, começa a relembrar o passado e tenta entender o que está acontecendo em sua vida.

Em uma das idas ao hospital para a quimioterapia, Hugo conhece Clara, uma menininha que finalmente explica para ele qual era sua doença, ele vira amigo dessa menina e descobre que ela era filha da enfermeira que o tratava.

A situação de Hugo vai ficando mais frágil e a enfermeira se oferece para que o pai de Hugo o levasse a sua casa para passar uns dias cuidando dele. Lá Hugo vai convivendo com sua amiga Clara e começa a perceber a relação estranha que ela tem com sua mãe, as duas não se falavam, era como se uma não existisse para a outra e isso intrigou muito o garotinho que foi reparando, até o dia em que resolveu  perguntar por Clara, foi quando a enfermeira contou que teve uma filha que se chamava Clara, porém ela havia morrido de câncer a algum tempo.

Hugo volta para a casa e decide pedir a ajuda de seu irmão para descobrir o porquê de sua mãe estar a tanto tempo trancada em um quarto sem querer vê-lo. Ele pede que seu irmão esconda seu gravador no quarto de seus pais e depois o devolva para que ele ouça as gravações e é nessas gravações que ele entende tudo.

Sua mãe após descobrir a sua doença, entra em uma depressão profunda, onde não consegue nem sequer pensar em ver seu filho sem que desabe em sua frente, seu pai com sua fé inabalável continua a rezar e tenta de tudo para ajudar a mulher a se reerguer e nessa luta eles vão até o dia em que Hugo opera as costelas onde o câncer estava, e com a biópsia vem o resultado de que o tumor era na verdade um cisto ósseo.

O pai clama por um milagre, a mãe diz que foi erro médico e Hugo se vê a todo tempo entre a fé e a razão, apesar de ser só um menino, ele entende pelo que passou e nessa jornada ele se segurou na fé dos pais por muitas vezes.

Como o livro é escrito na visão de Hugo, do que ele conta em seus diários e gravações, vemos a perspectiva dele sobre a doença e sobre o sentimento de abandono que ele sentia por parte da mãe, muitas vezes cheguei a ter raiva da mãe de Hugo por deixar que o menino passe por aquela situação sozinho, mas no final, quando Hugo ouve as gravações das conversas de seus pais, podemos entender melhor a situação deles e compreender como foi difícil para sua mãe passar por uma situação dessas. Claro que o pai teve uma postura diferente, segurou a barra, manteve a fé e seguiu, mas cada um age de forma diferente perante um acontecimento e nos vemos compreendendo isso ao final, juntamente com Hugo.

A história toda é carregada de misticismo, vemos a todo momento os pais religiosos rezando por um milagre, Hugo passando por experiências de sonhos que revelavam muito a ele e o encontro que teve com a filha da enfermeira que já havia falecido. O livro te dá margem para interpretar de acordo com suas crenças e ideologias, os mais religiosos podem dizer que esse é um relato de milagre e fé, os mais céticos podem dizer que Hugo estava em delírio e que foi tudo um erro médico. A história é muito mais que um relato dos dias de uma criança com câncer, é acima de tudo uma história de amor, de como a sua vida pode virar do avesso mas você permanecer forte se tiver com quem contar.

Posso indicar sem receio este livro a todos vocês, é uma história linda, simples e muito bem escrita, posso dizer que comecei esse projeto com chave de ouro!

Abaixo segue a pequena entrevista com o autor, para que vocês o conheçam melhor , podem o encontrar no facebook, instagram e comprar seu livro na Amazon.

Conheça o autor:

  • Com quantos anos começou a se interessar por escrever e quando decidiu fazer seu primeiro livro?

–  Comecei a me interessar por escrever por volta dos vinte anos, quando me tornei um leitor voraz. Desde aquela época, comecei a me inscrever em cursos de escrita criativa, sobre contos, romances, sobre qualquer assunto que pudesse me ensinar – ou apenas me apresentar – os caminhos de como usar as ferramentas da escrita para aprimorar meus textos literários.

A ideia de escrever este livro começou em uma oficina de romance ministrada pela escritora Carola Saavedra, na Estação das Letras, em 2013. A ideia da oficina era escrever e enviar para a Carola toda semana até 20 laudas, que seriam devolvidas aos participantes cheias de críticas positivas e negativas, fundamentais para o aprimoramento do texto. Quando a oficina terminou, eu tinha escrito 40 páginas do romance. Na época, eu cursava jornalismo, deixei o texto na gaveta e me dediquei aos compromissos da faculdade e do estágio. Para resumir a história, me decepcionei com o jornalismo e ficou nítido para mim que a melhor forma que eu teria de expressar o que penso seria por meio da literatura. Em 2015, eu pedi demissão de uma grande revista para me dedicar exclusivamente à escrita do livro. Peguei o material que eu havia escrito na oficina da Carola e comecei a reescrevê-lo. Em seis meses, eu tinha a primeira versão do “Memórias da infância…”, que na época tinha outro nome e nenhum conteúdo das 40 páginas que eu havia escrito na oficina da Carola.

  • Quais são seus autores preferidos?

Gosto muito de Vargas Llosa, García Márquez, Saramago, Kafka, Beckett, Hemingway, Cortázar. Entre os contemporâneos, aprecio muito a escrita de Sérgio Sant’Anna, Milton Hatoum, Ruffato, João Gilberto Noll, Ricardo Lisias, Daniel Galera, João Anzanello Carrascoza, Carola Saavedra, Antônio Carlos Viana, Maria Valéria Rezende, entre outros, publicados por pequenas e médias editoras, em início de carreira.

  • De onde veio a inspiração para o livro “Memórias da infância em que eu Morri”?

– – Acredito que a ideia de escrever este livro surgiu desde o dia em que eu fui diagnosticado com a doença. Um livro se desenvolve na cabeça do autor de modo inconsciente e, por isso, os acontecimentos que vivi em função da doença, que foram muito marcantes, ficaram guardados na minha memória. Lembro que na escola, em várias redações, escrevi sobre esta minha doença. Sempre que a temática da redação dava alguma brecha para eu introduzir esta minha história, eu não pensava duas vezes em narrar o que passei. Eu adorava escrever e falar sobre esta doença porque meus amigos ficavam impressionados com o fato de eu ter superado um câncer. Quando fiquei mais velho, preparado para transformar um pedaço sofrido da minha vida em arte, por meio da escrita literária.

 

 

  • No livro temos o personagem principal, Hugo, que sofre de câncer, como foi o processo de criação desse personagem, você se inspirou em alguém em específico?

“Memórias da infância em que eu morri” é um pedaço da minha infância transformado em ficção. Então posso dizer que me inspirei em mim mesmo para criar o personagem principal. O Huguinho sou eu criança, um menino levado e mimado, mas que sente que algo muda em sua vida ao começar o tratamento para curá-lo da doença. Por isso, não precisei comprar um caderno para anotar as características físicas e psicológicas, os principais gostos, os traumas do personagem. Tudo já estava armazenado na minha memória. Mas não foi fácil criar esse personagem, pois foi doloroso entrar na cabeça do Huguinho e reviver todo o sofrimento que passei, mas a minha necessidade de contar essa minha história sempre foi maior do que qualquer outro sentimento sentido durante o meu processo de criação deste romance.

 

  • Qual parte do livro ou construção de personagem foi mais complicada para você?

Escrever um livro é uma tarefa dificílima. Não é qualquer um que se arrisca a reservar uma parte da sua vida para se comprometer a criar enredos, personagens, ambientes. Por isso, durante os dois anos que demorei para escrever este romance, cada noite – horário que prefiro escrever – era um novo desafio. Gosto muito de uma frase do Affonso Romano de Sant’Anna: “Abrir-se à arte (no caso a escrita) é dar um salto mortal no escuro, para que todos vejam”. E se tenho que dizer qual parte do livro foi mais complicada, digo que foi a última parte, em que a mãe conversa com o pai. Foi mais difícil por uma questão emocional, por imaginar minha mãe sofrendo ao me ver doente. Colocar-se no lugar de uma pessoa deprimida causa sofrimento, se essa pessoa for a sua mãe, o sofrimento é maior. Além da dificuldade de criar uma linguagem para a fala da mãe que fosse diferente da fala do Huguinho, com a qual eu já havia me acostumado a escrever. Essa mudança – da voz de uma criança que busca pistas para saber de qual doença sofre para uma mãe em depressão – foi um processo complicado na escrita do livro.

  • No livro o personagem principal vive em conflito entre o sobrenatural e a razão, você poderia dizer que mesmo tão novo, Hugo poderia ser um ateu?

O Hugo criança apenas odiava ter que deixar de brincar – jogar videogame, se divertir com o irmão ­– para passar mais de uma hora sentado dentro de uma igreja ouvindo um padre falar sobre assuntos religiosos que, em geral, não interessam às crianças. Este é meu ponto de vista. Acredito que a maioria das crianças prefira brincar a ir à missa. O Huguinho apenas acompanhava os pais e o irmão durante as celebrações na igreja. Ele ainda não tinha uma opinião formada sobre religião. Antes da doença, não acreditava em nenhuma crença que confirme a existência de divindades.

  • E a pergunta que não quer calar, foi milagre ou erro médico?

É impossível responder a esta pergunta. Para os religiosos foi milagre; para os ateus, erro médico. Hoje, ainda um pouco “contaminado” pela escrita do livro, me encontro entre esses dois grupos. Talvez por isso eu escrevi esse livro. Eu ficarei eternamente com essa dúvida guardada em mim: se fui curado por um milagre ou se fui vítima de um erro médico. E sobre isso a literatura não pode me responder. Mas, afinal, o objetivo da literatura não é dar respostas, e sim sugerir perguntas.

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